Vou conduzir uma argumentação científica, com suporte de exemplos históricos e sugestões muito simples e efetivas para prática diária que respondam a primeira questão e complementem com o “Como funciona?”
Terapia funciona!
Sonja Lyubomirsky, autora do livro "The How of Happiness" - uma referência importante no campo da Psicologia Positiva - conduziu uma pesquisa interessante para avaliar qual a melhor maneira de lidar com experiências negativas e positivas. Ela separou o estudo em dois perfis de análise: um para as consideradas piores experiências e outro para as melhores. Dentro de cada perfil, os voluntários eram divididos em quatro grupos de intervenções diferentes: escrita, fala (no gravador), pensamento (relembrar o acontecimento em questão) ou controle (sem instrução sobre como deveria tratar do tema). Para cada intervenção proposta o participante teria que dedicar 15 minutos por dia, por 3 dias consecutivos para lidar com suas experiências de acordo com a categoria que foi sorteado. Foram avaliados em sua saúde física e mental antes e após um mês da intervenção por medidas diretas e por relatos de autopercepção. Os achados foram extremamente reveladores e surpreendentes. Sonja percebeu uma tendência clara de melhora na saúde global dos voluntários que abordaram suas piores experiências da vida por escrita e fala, mas uma piora importante quando ficaram com a intervenção de pensamento, em relação ao grupo controle. Exatamente o contrário aconteceu com os voluntários que abordaram suas melhores experiências de vida. Os que usaram escrita e fala pioraram, mas o que praticaram só o pensamento melhoraram bastante a saúde global. Para entender melhor o mecanismo disso, organizou uma nova etapa para o estudo. Dessa vez analisou qual seria a razão para o resultado anterior e chegou a uma forte hipótese: para os traumas, é recomendável analisar os acontecimentos, buscar compreensão, mas para as alegrias, o ideal é repetir as sensações, relembrar a experiência. A diferença está entre: analisar X reviver. Você percebeu um grande detalhe até aqui?? Já com esse estudo é possível sugerir como terapia funciona - por propostas de escrita e fala analíticas. Não parece uma boa ideia ficar só na ruminação de pensamento!
Sobre usar a escrita para processar eventos ruins.
Jamie Pennebaker é psicólogo social, professor da Universidade do Texas, e produziu um acervo de artigos e livros muito significativo para a compreensão da importância da escrita expressiva.
O seu estudo inicial foi uma intervenção em alunos de escrita livre, quinze minutos por dia, quatro dias consecutivos, sobre um trauma vivido, ou qualquer assunto que estivesse causando ansiedade, angústia ou sofrimento no voluntário. Tinha um grupo controle que deveria escrever o mesmo tempo, nas mesmas condições, sobre temas neutros. Essa proposta dolorosa, mas simples, mostrou benefício claro para o grupo que escreveu sobre experiências traumáticas logo após o quarto dia e meses depois. Eles tiveram menos necessidade de atendimento médico e saúde global melhor. Os benefícios aconteceram especialmente para os homens e aqueles que conseguiam encontrar algum senso de compreensão e coerência para o assunto escolhido.
Jamie inclusive sugere a técnica de escrita com a mão não dominante para que o escritor tenha um tempo maior para elaboração, escreva de maneira menos automática.
Escrever é terapêutico! Fazer sentido, unir os pontos, esse é o aspecto levantado também por Aaron Antonovsky para uma vida bem sucedida apesar de circunstâncias desfavoráveis. Aron era sociólogo e estudava a relação entre estresse, saúde e bem-estar. Foi o primeiro a se interessar e mencionar em artigo sobre um modelo de salutogênese (criação de saúde) para complementar o modelo de patogênese (surgimento da doença) que domina os estudos médicos até hoje. Para Aaron, fazer sentido, ter senso de eficácia para manejo de crise e senso de significado são os três elementos fundamentais da plena saúde global e do sucesso apesar de condições desfavoráveis. É método antigo e muito bem recomendado: escreva sobre suas questões! Do seu jeito, livre, tente fazer sentido, ninguém precisa ler. Algum paciente meu já ouviu isso?!
Para experiências ruins: é muito bom falar.
Escrever e falar! Formular uma possível coerência também é bem-vindo para a fala.
A história da humanidade traz forte evidência disso. As vítimas do holocausto foram recebidas em suas comunidades com muita celebração e afeto. De maneira espontânea, criou-se espaço encorajador para que cada um falasse abertamente sobre as experiências que viveram no campo de concentração. Desses relatos foram produzidos muitos livros, filmes, obras artísticas e analíticas em geral. Os casos de transtorno de estresse pós traumático (TEPT) desse grande grupo de sobreviventes foi muito baixo. Exemplo oposto é dos veteranos de guerra do Vietnã. Voltaram para casa em um contexto de muitas críticas e vergonha. Foram isolados e ignorados. Suas experiências na guerra foram guardadas com silêncio e constrangimento. Esse foi o cenário de uma explosão de casos de TEPT. O grave adoecimento acometeu cerca de 30% dos sobreviventes. Em concordância com os estudos de Sonja, para experiências ruins é notável a importância de se permitir e ter permissão para elaborar as memórias traumáticas. O ideal é que as pessoas sejam encorajadas a falar e para isso: disponha seus ouvidos, acolha a dor do outro. Ajude as pessoas do seu convívio no entendimento, no amadurecimento das percepções. É dessa elaboração pessoal, com suporte coletivo, que pode surgir o crescimento pós traumático (posttraumatic growth) ao invés do TEPT. Fale mais, ouça mais!
Para o positivo: saborear.
Relembrar com detalhes, reviver as sensações sensoriais, renovar a reverência. Para as boas experiências, o ideal é fazer “replay”. Existem muitas técnicas para tornar hábito o saborear das melhores lembranças. Destaco aqui o exercício das três bênçãos: em algum momento do dia, geralmente é feito ao final, com certa regularidade, quanto mais frequente melhor, listar três razões para ser grato. Ao se lembrar das três motivações positivas, capriche nos detalhes, torne a experiência real novamente. O bom deve ser evocado mesmo em dias com saldo geral ruim. Exercitar a lembrança positiva é uma escolha de direção atencional. Desenvolve a plasticidade cerebral para o viés positivo também (não só). É para equilibrar nossa tendência de retenção maior do negativo. Experimente saborear mais a vida e repetir os sabores pela memória! A gratidão se torna hábito, gera mais saúde e qualidade de vida.
É uma delícia!
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