Temor -“awe”- é uma emoção moral, espiritual e estética. Está no limite superior do prazer e na fronteira com o medo. Manifesta-se em profunda reverência / veneração / medo respeitoso a uma autoridade suprema, a uma grandeza moral, ao sublime ou a algum mistério sagrado, portanto, está presente de forma central na experiência de religião, política, natureza e arte.
Comumente, o temor é acompanhado por percepção de ameaça, beleza, habilidade suprema e sobrenaturalidade / teor divino. Estes dão o tom do temor.
É fugaz e raro, mas pode transformar o curso de uma vida de maneira profunda e permanente, por isso escolhi abordá-la aqui. Mesmo sendo impactante, ainda é pouco estudado no campo das emoções.
Vou explicar um protótipo de temor proposto por Keltner e Haidt. Nesse modelo são destacados dois componentes fundamentais em toda experiência de temor: percepção de vastidão e necessidade de acomodação. Abordarei cada um com detalhes.
Temor como experiência de pico
Abraham Maslow, pioneiro na abordagem da psicologia em sua abrangência para potencialidades também, inclui temor entre as emoções de pico – “peak-experiences”. Ele elenca elementos presentes no ápice: admiração em reverência, desorientação de tempo e espaço, transcendência, auto-esquecimento, percepção de um mundo bom, belo e desejável, postura receptiva e humilde, amenização ou resolução de polaridades, sentimento de sorte e graça. Ele já destacava a potência dessa experiência para a transformação de um indivíduo.
https://www.youtube.com/watch?v=zcOHMGe7lYg Abraham Maslow sobre experiência de pico.
Percepção de vastidão
Vastidão refere a tudo que é percebido como maior que o indivíduo, uma percepção que ultrapassa o ordinário, ou uma referência a tamanho.
Exemplos de vastidão são fama, autoridade, prestígio, transcendência. Percebe-se uma correlação forte entre o vasto e o poder.
Sinais de vastidão podem ser tremor do solo, barulho muito alto, espaço muito amplo. Aí entram fenômenos naturais como terremoto e tempestade; vistas amplas de montanhas, oceano, florestas e cachoeiras; repetições infinitas como ondas, fractais e ciclos do sol e da lua; obras humanas gigantes como catedrais, arranha-céus e estádios; obras de arte no geral, especialmente as mais detalhadas, mágicas, disruptivas e de maior impacto sensorial, como orquestras; e personalidade carismática, especialmente quando presente em exercício de liderança.
Todos esses exemplos são escolhidos deliberadamente quando se deseja mobilizar temor ou sensação de poder. Estão nos projetos arquitetônicos, no marketing, na política e na religião. Também podem ser usados por você, se deseja incluir mais experiências de pico em sua vida.
Acomodação
A acomodação pode soar como estratégia passiva, mas significa o contrário. Refere-se ao ajuste de estruturas mentais quando não podem assimilar no esquema atual a nova experiência – teoria de Piaget. Assim como as outras experiências de pico, o temor envolve espanto, surpresa. Segundo Darwin, sobrancelhas altas, olhos e boca abertos, em casos extremos arrepio capilar.
Por certo, a experiência do novo estímulo nesse estágio emocional extremo cursa com confusão, medo. Principalmente em momentos de crise, quando a extensão da tradição e do conhecimento atuais não parecem ser suficientes para uma explicação.
Mas a acomodação adequada supera o medo e a confusão para chegar a uma nova compreensão. Em atitude receptiva e humilde, o indivíduo passa a adotar novos valores, seguir novos comandos e escolher novas missões.
A transformação é o resultado desejado do breve contato com o sublime, o vasto, o magnificente, o infinito.
O temor e a ciência
Cientistas frequentemente reportam que o temor os motiva a buscar respostas para questões da natureza. De fato, estudos clínicos de intervenção vêm mostrando que o temor pode ter relação próxima com descobertas científicas e avanços teóricos.
Talvez pela correlação da ciência com a incerteza – o desconhecido, o disruptivo, o vasto, os padrões infinitos – ou pela ciência demandar disposição persistente para “acomodação” de novas informações.
Pode ser que indivíduos propensos a experimentar o temor sejam mais adequados ao pensamento científico, ou essa facilidade com o pensamento científico predispõe as pessoas a experimentar reverência com mais regularidade.
O fato é que existe uma tendência clara de associação positiva entre pensamento científico e temor, o que não acontece com outras emoções positivas. A disposição para experimentar temor / admiração prediz uma compreensão mais precisa do processo científico.
Admiração em reverência
A psicologia tem pouco a dizer sobre temor. Uma hipótese para essa negligência é o fato do temor não ter uma expressão facial específica – distinta de surpresa. A admiração, analisada por Darwin, seria o conceito mais próximo de temor, uma composição de surpresa, prazer, aprovação e espanto.
Além da admiração, existem alguns estados bastante relacionados a temor como elevação / transcendência e experiência de epifania.
A admiração, quando abordada, costuma trazer a composição de maravilha e poder, segundo McDougall (1910, bem antes de Maslow). Ele fez uma descrição da maneira como o indivíduo se aproxima de um objeto digno de sua admiração: de vagar, com excitação e hesitação, humilde em sua presença, com timidez, com tendência a paralisação, evitando chamar a atenção para si. Claramente incluindo o prazer e o medo.
A iminência da morte teria seu lugar nessa perspectiva de reverência temerosa. Minha experiência em ambulatório de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Uberlândia é coerente com esse alinhamento. São várias as reflexões e transformações experimentadas quando a confrontação com a inevitabilidade da morte se faz presente.
A elaboração mais marcante para mim foi de que “aprender a morrer é também aprender a viver”.
Aprender a morrer, como me ensinou uma paciente muito querida, é viver em despedida. Apreciando com calma cada oportunidade de vida como se fosse a última. De fato, pode ser a última vez. Sem intenção de evocar morbidez, deliciar-se do momento presente é a melhor estratégia para a vida – e para a morte.
Como ela e tantas outras referências sábias em minha vida me explicaram, explorar os sentidos com detalhes, sem pressa, na presença dos vastos e magníficos estímulos sensoriais e desafios cognitivos e emocionais que nos cercam a todo momento, com atitude humilde e receptiva, compõem a genuína disposição para ser transformada, mesmo quando confusa e com medo.
Transformação é minha missão pessoal e profissional. Viver em “acomodação”, em atualização.
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