Gostaria de destrinchar um pouco sobre o tempo usando o exemplo do Kobe Bryant, jogador de basquete norte-americano que faleceu esse ano, junto com sua filha Gianna, durante um acidente de helicóptero.
Kobe é considerado um dos melhores jogadores de basquete do mundo, de todos os tempos. É querido pelos fãs do esporte, especialmente pelos torcedores do Lakers, onde ele construiu sua carreira, por parceiros de time e até por adversários históricos. Baseio-me em entrevistas que ele deu nos últimos anos, durante seu tempo mais reflexivo.
Tempo de Imersão
Kobe conta que durante sua fase amadora não era considerado um dos melhores jogadores da sua escola. Mas sempre foi comprometido com a excelência. Para melhorar seu desempenho, lembra que analisava com muita riqueza de detalhes as habilidades de seus colegas. Sabia cada ângulo articular, ritmo, intensidade e força de seus movimentos. Usava essas observações para tentar movimentos cada vez mais limpos e precisos. Ainda pequeno, mas muito apaixonado pelo esporte, tinha um plano ousado: não ficaria dependente das habilidades que tinha maior desenvoltura, tentaria sempre usar uma habilidade que ainda estava aperfeiçoando para ter maior maestria em muitos quesitos.
Assim o fez, lembra até que por um tempo ficou pior no ranking, porque insistia em usar técnicas que ainda não dominava e errava mais.
Mas o tempo de imersão com muito esforço, persistência, análises cuidadosas, erros e repetições tiveram o efeito desejado: ele se tornou um atleta completo, confiável, flexível e ousado. Seu apelido “Black Mamba” faz referência a uma serpente africana muito precisa e letal.
Ele enfatiza que os colegas que eram melhores que ele na escola caíram na tentação de manter seus status de melhores usando em maior frequência as técnicas que dominavam mais. Tornaram-se jogadores previsíveis, limitados e, portanto, piores.
Kobe falava sobre a importância dos erros. Inclusive quando já profissional. Ele dizia que aprendeu a entender o erro como parte normal do jogo. Quando cometia erros graves, em momentos importantes, ao invés de ficar remoendo a frustração ou vergonha seguia adiante no jogo concentrado nos próximos passos. Ele dizia: “o jogo não é sobre mim, é sobre meu time e o resultado final”.
Sua imersão era impressionante. Era o primeiro a chegar à quadra, gostava de entrar nela vazia para se conectar com ela em um nível íntimo. Permanecia aquecendo ali até que ficasse cheia pelo público e pelos times, ou seja, seu tempo de preparação era sempre o maior.
Seu treino era de muita entrega, até o fim de sua carreira como atleta. Acordava bem cedo para começar o trabalho muscular na academia e depois seguir para o treino com bola. Durante uma Olimpíada, no primeiro dia de instalação, quando voltava do seu treino matinal sozinho, o primeiro companheiro de time estava saindo para treinar. Os colegas ficaram tão motivados por sua dedicação que no segundo dia estavam todos com ele na academia bem cedo. Mesmo sendo o mais velho e mais bem-sucedido, era o mais disciplinado sempre.
Após sua aposentadoria, iniciou uma carreira também intensa como empresário criativo. Lançou uma série, livros, curta-metragem e tinha muitos outros projetos em andamento. Quando perguntado sobre qual carreira gostava mais, sua resposta surpreendeu o entrevistador, disse que gostava de ser criador tanto quanto gostava de ser jogador de basquete. O entrevistador não aceitou a resposta, disse que não fazia sentido, porque sua vida de atleta tinha sido muito maior e muito mais premiada. Então ele explicou: eu estudo criação há anos, nas minhas horas livres. Eu faço rascunhos criativos desde muito novo. Ninguém ganha um Oscar por um trabalho de um ano!
Ele teve seu curta-metragem premiado com Oscar um ano após sua aposentadoria do basquete.
Há poucos anos criou uma academia preparatória para jovens interessados em se tornar atletas de qualquer modalidade. Ele dizia que era para qualquer pessoa comprometida com excelência. Ele dominava o conceito de imersão e tempo de crescimento.
Tempo de recuperação.
Além de treinar intensamente, descansava com competência. Mas não era sua maior qualidade.
Ele registra no seu curta “Dear Basketball” que já não podia dedicar uma paixão tão obsessiva ao esporte mais. Apesar de ainda apaixonado, sabia que seu corpo estava no limite da exaustão.
Quando encerrou esse ciclo como atleta, ascendeu rapidamente sua carreira criativa e também entregava dedicação intensa.
Usava o transporte aéreo há alguns anos, porque era tão cheio de compromissos e tão imersivo neles, que gostava da rapidez do helicóptero para “não perder tempo”. Morreu no caminho de uma quadra de basquete, para onde ia levar sua filha e alguns amigos a um jogo do time dela, que conduzia como treinador. Estiveram na missa, em família, antes da tragédia.
Tempo de reflexão.
Kobe sempre foi um atleta respeitado por sua liderança reflexiva. Após sua aposentadoria, esse papel foi ainda mais explorado em entrevistas e em suas produções.
Ele era observador, atento aos detalhes, aberto a aprendizado, comprometido com crescimento.
Michael Jordan brinca que tinha dó da Gianna, treinada por seu pai. Sabia que ela seria bastante exigida. Conta que um dia, de madrugada, recebeu uma mensagem do Kobe perguntando quais habilidades ele já dominava aos doze anos, para construir seu plano de treinamento do time da filha. Michael se lembra de responder: aos doze anos eu jogava Baseball! Ria bastante da obsessão do amigo.
Mas o fato é que ele era mesmo fonte de muitos ensinamentos sobre a vida de excelência, sobre paixão, sobre imersão e ousadia. Kobe tem entrevistas muito interessantes e os registros de sua atuação e criação ficam e eternizam seu curto e intenso tempo de vida.
Michael Jordan em seu discurso no funeral de Kobe disse que conhecê-lo e observar sua constante busca por ser uma pessoa melhor, instigou nele o desejo de ser o melhor "irmão mais velho" que pudesse.
Procuro e conto exemplos de grandeza, porque eles despertam em quem os testemunha o desejo e a permissão para o extraordinário também .
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