É Agosto, mês dos ventos! Também conhecido como mês da loucura e do desgosto. O vento é um excelente elemento para estudar motivação, planejamento de mudança e uso equilibrado de forças. Vou fazer um recorte desse tema aqui, guiada pela sabedoria da Ayurveda (da Medicina Tradicional Indiana) e pela construção científica da Psicologia Positiva.
O Vento é ar em fluxo com intensidade suficiente para ser sentido.
Elemento ar / vento na Ayurveda
Ar é um dos cinco elementos básicos que constitui a natureza (os outros quatro são éter/ espaço, água, fogo e terra). Está presente em cada indivíduo/ ser vivo/ matéria/ espírito/ lugar/ estação/ acontecimento (tudo o que conhecemos, também chamado de microcosmo) em alguma proporção.
Elementos com grande presença do ar em sua composição têm características típicas: movimentam-se, mudam abruptamente, tendem a separações, têm frescor, são frios, rápidos, secos, irregulares, instáveis.
No sistema nervoso, o ar se manifesta em agitação e entusiasmo. Se em excesso, cursa com irritação, inquietação, ansiedade, insônia, desatenção, hiperatividade, exaustão e indisciplina.
Já fica evidente aqui a forte influência do ar para a saúde mental e o potencial que esse elemento tem tanto para construção de mudanças desejáveis quanto para destruição de produtividade. É na moldagem da direção e da intensidade do ar em movimento (vento) que encontramos o equilíbrio dessa potência.
Dominar o vento é um desafio grande, talvez por isso o mês dos ventos seja acompanhado pelo misticismo negativo.
Elemento vento na vida
Aprendemos por observação o quanto o vento intenso pode ser destrutivo. Se ele acompanha o fogo, aumenta a dispersão e a imprevisibilidade de sua direção, resultando em grandes queimadas. Se acompanha a chuva, tempestades. Se acompanha a neve, nevasca e avalanche. Se acompanha o mar, ondas agitadas e perigosas. Se acompanha a terra, queda de árvores, destelhamentos, debulha vidros, levanta muita poeira.
Quanto mais intenso, maior o potencial destrutivo. Mas não é só isso. A intensidade devidamente aproveitada pode resultar em ótimos eventos esportivos, especialmente os náuticos à vela, animadas brincadeiras com pipas, energia suficiente para abastecer a demanda de muitas cidades, proteção na absorção de fortes impactos (airbag), dispersão de muitas sementes e transformação natural dos ciclos da natureza.
Assim funcionam todos os outros elementos e todas as forças: podem causar danos, adoecimentos e desgosto quando em falta ou excesso, mas são de muito valor quando em equilíbrio.
Esse é um filme de 2019, baseado na história real de William Kamkwamba, um menino do Malaui que durante um período de extrema seca na sua vila, vê o alimento se tornar uma raridade. Contrariando a ordem do seu pai, que insistia em semear na terra infértil, ele aproveita de conhecimentos aprendidos em um livro da biblioteca de sua escola (pego escondido, porque seu pai não podia custear sua educação mais) para desenvolver uma engenhoca que convertia vento (único recurso disponível na sua região) em energia para mover uma bomba d’água.
Com seu feito criativo, ousado e heroico, William permite uso controlado de água nas plantações de toda a sua comunidade. Ao aproveitar o vento, ele muda abrupta e definitivamente a realidade dessas pessoas. Provê mais que condição de subsistência, consegue refazer senso de interdependência, auto-eficácia e esperança.
Se ainda não assistiu, recomendo que o faça.
Outro menino que domou o vento: Michael Phelps
Larissa, não foi a água? Também, mas tudo começou com o veto.
Phelps, o maior atleta Olímpico de todos os tempos, nadador exímio que mudou a história da Natação no mais alto nível de performance, entrou na piscina quando criança com um objetivo, tratar Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Atividade física é sabidamente um excelente recurso terapêutico para TDAH. A ativação de funções executivas do córtex pré-frontal pela noradrenalina e dopamina liberadas durante o exercício podem compensar a deficiência de atenção e foco em quem tem o transtorno.
Para Ayurveda, como citei no início, TDAH, assim como ansiedade e insônia, são acometimentos mentais que resultam do excesso de ar/ vento. Cursam com grande energia dispersa em movimento disfuncional, exaustivo, frustrante, improdutivo. Domar o vento nesse contexto é aproveitar essa energia de maneira organizada, com direção e intensidade adequadas.
Phelps encontrou na natação sua oportunidade de canalizar energia de maneira produtiva. E que energia! Com velas hasteadas para a direção desejada, pôde motivar com muita potência seu desempenho esportivo. Mas esse alcance realizador não foi rápido, nem fácil, como poderia se imaginar pelos seus feitos em competições desde muito novo.
Sua vida pessoal cursou como ventania, sem qualquer controle e destrutiva por muitos anos. Ele tinha relações muitos conturbadas com seus familiares e treinador. Não aceitava ordem, não sabia se comunicar sem explodir, tinha acessos de fúria freqüentes, sentia-se valorizado e respeitado apenas na piscina.
Chegou a fazer uso de cannabis e álcool, teve comportamentos indisciplinares condenados pela polícia e precisou passar por algumas intervenções em clínicas de reabilitação. Era impulsivo e inconseqüente, chegou a abandonar o esporte em 2012, porque depois de muitas conquistas atléticas, percebeu que a vida profissional dourada já não era suficiente para motivar seu esforço. Conta em entrevistas recentes que chegou a ter ideação suicida nessa fase.
Mas sua última internação em 2014 foi um momento de verdadeiro equilíbrio. Restabeleceu sua relação com seu pai, com seu treinador, com uma ex-namorada e com o esporte que o ensinou a domar seu vento. Tem um comercial da marca que o patrocinou no final da carreira retratando sua luta durante a instabilidade. Tem uma cena dele olhando para uma pequena piscina suja. Essa era a piscina da reabilitação, foi lá que ele voltou a nadar faltando dois anos para sua última Olimpíada.
Saiu de lá com propósito, disposto e engajado com sua vida novamente. Passou a priorizar sua saúde global e suas relações. Pela primeira vez estava realmente inteiro.
Sua última competição, desempenhada com altíssimo nível, foi a Olimpíada do Rio em 2016. Nadou acompanhado por sua família na arquibancada (incluindo seu filho de poucos meses). Encerrou esse ciclo com muita grandeza. O esporte havia começado o projeto, mas foi a transformação mais profunda e ampla que possibilitou o equilíbrio de sua vida.
A potência do vento para realizações e mudanças
Qualquer mudança que se deseja realizar pode ser um grande desafio. Especialmente aquelas que envolvem adquirir ou abandonar um hábito.
Hábitos são comportamentos já ritualizados em nossa rotina. Estão presentes sem que o indivíduo precise decidir por ele, em um nível automático. Isso é ótimo quando o hábito é desejável, mas muito difícil quando esse hábito é danoso e precisa sair.
Planejar e executar mudança são temas extensos e merecem um texto para cada, mas também sei que são desafios comuns a todos nós e, sem cerimônia, afirmo que um bom vento funciona muito bem para movimentar essa transformação.
O Vento aqui é o catalisador de energia inicial e de manutenção, a engenhoca que canaliza recurso para o lugar certo, no tempo certo, sem dispersão.
Em termos técnicos, chamo de vento tudo que você tem hoje e pode usar para começar seu projeto de vida e continuar com vitalidade e entusiasmo: suas forças de caráter, suas habilidades já desenvolvidas, seus apoiadores, seus recursos emocionais, intelectuais, físicos e materiais, suas experiências de tentativas anteriores, a experiência de outras pessoas como orientação e inspiração.
William aprendeu em livros, Phelps foi orientado por profissionais, ambos e muitos outros podem lhe servir como inspiração. Não tema a mudança, a ruptura, a intensidade perceptível do deslocamento de ar. Não tema Agosto. Aprenda a usar o vento a seu favor!
O vento na arte
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